sexta-feira, 14 de novembro de 2008

ANJO ÉS

Anjo és tu, que esse poder
Jamais o teve mulher,
Jamais o há-de ter em mim.
Anjo és, que me domina
Teu ser o meu ser sem fim;
Minha razão insolente
Ao teu capricho se inclina,
E minha alma forte, ardente,
Que nenhum jugo respeita,
Covardemente sujeita
Anda humilde a teu poder.
Anjo és tu, não és mulher.
Anjo és. Mas que anjo és tu?
Em tua fronte anuviada
Não vejo a c'roa nevada
Das alvas rosas do céu.
Em teu seio ardente e nu
Não vejo ondear o véu
Com que o sôfrego pudor
Vela os mistérios d'amor.
Teus olhos têm negra a cor,
Cor de noite sem estrela;
A chama é vivaz e é bela,
Mas luz não têm.
- Que anjo és tu?
Em nome de quem vieste?
Paz ou guerra me trouxeste De Jeová ou Belzebu?
Não respondes - e em teus braços
Com frenéticos abraços
Me tens apertado, estreito!...
Isto que me cai no peito Que foi?...
- Lágrima? - Escaldou-me...
Queima, abrasa, ulcera...
Dou-me, Dou-me a ti, anjo maldito,
Que este ardor que me devora
É já fogo de precito,
Fogo eterno, que em má hora
Trouxeste de lá...
De donde?
Em que mistérios se esconde
Teu fatal, estranho ser!
Anjo és tu ou és mulher?
Almeida Garrett, 'Folhas Caídas'

terça-feira, 11 de novembro de 2008

S. MARTINHO




Martinho era um soldado romano. Num dia de Inverno, passava Martinho a cavalo por Amiens quando foi interrompido na sua marcha por um pobrezinho, tiritando de frio, que lhe pediu esmola.
Martinho não tinha trocos.

Decidiu--se, então, por dividir a magnífica capa vermelha com que se abrigava da intempérie.

Com a sua espada cortou-a de um golpe, deu metade da capa ao sem--abrigo e logo o Sol despontou com tal intensidade que mais parecia estar-se no Verão.